Acórdãos de Direito Civil

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-09-2014

(http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d0d4ce93888af85880257d4e004b9e1e?OpenDocument)

“I - Malgrado as alterações que vêm sendo introduzidas na legislação sobre o direito segurador, mormente pelo direito comunitário, o sistema português continua a manter o paradigma assente no primado da responsabilidade civil fundada na culpa do agente – art. 483.º do CC.

II - Admite, no entanto, a responsabilização do detentor/beneficiário de um veículo de circulação pelos riscos inerentes a esta mesma circulação – art. 503.º do CC.

III - Se, da dinâmica do acidente, se apurar a culpa exclusiva do lesado, o art. 505.º do CC exclui, de forma taxativa, a possibilidade de concorrência entre risco e culpa.

IV - Há concorrência de culpas, na proporção de 50%, se, por um lado, o lesado, peão, procedeu à travessia da via, de modo inadvertido – sem olhar para o lado esquerdo e sem se certificar da inexistência de circulação na mesma – e, por outro lado, a condutora do veículo agiu com imperícia e falta de destreza ao efectuar a manobra de desvio do obstáculo para a esquerda e não para a direita, conforme teve oportunidade, assim não logrando evitar o embate.

V - Considerando que (i) à data do acidente, a vítima tinha 86 anos de idade; (ii) em consequência do mesmo, sofreu dores; (iii) veio a falecer; (iv) era dedicado à autora, aos filhos e aos netos; (v) gozava de boa saúde, sendo estimado e respeitado pelos familiares, vizinhos e amigos; e que (vi) a sua morte causou desgosto e angústia à mulher e aos seus filhos, que por ele nutriam o afecto próprio dos laços que os uniam, considera-se adequado fixar em € 20 000, a compensação pelas dores sofridas entre o momento do embate e o decesso da vítima; em € 10 000, a indemnização pelo sofrimento, de cada um dos filhos, pela morte do pai, e em € 50 000, pelo dano morte.”

 

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/09/2014

(http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/996ec8960418600080257d570059ad2d?OpenDocument)

“1. Integra violação das cláusulas gerais da boa fé e do abuso de direito o comportamento do vendedor de coisa alegadamente defeituosa que – embora sem reconhecer inequívoca e expressamente o vício ou defeito denunciado - admitiu como possível a sua existência e tentou, por várias vezes , corrigi-lo - vindo ulteriormente, contra facto próprio, invocar a caducidade, em consequência de o comprador – confiando justificadamente na seriedade do propósito de correcção do vício ou defeito da coisa manifestado pela conduta do vendedor – não ter actuado em juízo antes de se ter revelado na prática o resultado final de tais tentativas de resolução do problema, de modo a excluir quaisquer perspectivas de solução consensual do litígio.

2. Porém, se a parte já resolveu o negócio com fundamento em incumprimento não pode ainda invocar, perante comportamentos da contraparte ulteriores ao acto resolutivo, não cabalmente conclusivos e inequívocos quanto ao reconhecimento do defeito, uma justificada confiança na obtenção de uma solução consensual para o litígio, posterior ao acto resolutivo, que a dispense de recorrer oportunamente às vias judiciais, respeitando o prazo curto de caducidade previsto no art. 917º do CC.

3. Vale como denúncia ou reclamação dos defeitos da coisa a que é feita especificadamente em carta remetida à contraparte, reiterando que tais vícios não foram adequadamente solucionados pelas anteriores intervenções técnicas do vendedor – e manifestando a final o propósito de resolução do contrato por incumprimento do vendedor.

4. Está fora do perímetro dos interesses especificamente tutelados através do regime da venda de coisas defeituosas, tal como se mostra especialmente construído e regulado nos arts. 913º e seguintes do CC - encontrando antes apoio nos princípios gerais do direito das obrigações, nomeadamente nos arts. 801º, nº2, e 432º - a acção de condenação intentada com vista à efectivação dos efeitos jurídicos típicos da resolução extrajudicial do negócio jurídico ( operada logo após o acto de denúncia dos defeitos), maxime os deveres de restituição, não espontaneamente acatados pela contraparte.

5. Na verdade, tal acção não tem como causa imediata os defeitos ou vícios da coisa vendida que justificaram o acto resolutivo, sendo o objecto e o fim imediato das pretensões nela formuladas a título principal, meramente consequenciais ao exercício do direito de resolução, o asseguramento, nos termos gerais de direito, da tutela judiciária efectiva da parte quanto aos típicos efeitos da resolução de um negócio jurídico, realizando, desde logo, o respectivo efeito retroactivo sobre as prestações realizadas pelas partes em cumprimento do contrato.”

 

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/09/2014

(http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1f7a1070194c16ac80257d5e0051da67?OpenDocument)

“1. Ao Supremo Tribunal de Justiça apenas compete julgar questões efetivamente conhecidas e decididas pelo tribunal recorrido, e não argumentos que tenha tecido para sustentar a decisão proferida.

2. Nas ações em que, como acessório ao pedido principal – in casu, a declaração de ilicitude do despedimento - se peticionam rendimentos já vencidos e vincendos, não tem lugar a aplicação do disposto no artigo 309.º, n.º 2, do CPC/2007 [Artigo 300.º, n.º 2, do CPC/2013], antes são aplicáveis as regras gerais constantes do 306.º, e que, na sua essência, correspondem ao atual artigo 297.º, ns.º 1 e 2.”

 

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/09/2014

(http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3f07b9ccca29e5f480257d63004672dc?OpenDocument)

“I - A presente acção (tendente à condenação da ré no pagamento de uma importância monetária por incumprimento do contrato) foi proposta nos tribunais comuns pelo que existiu a violação da cláusula que convencionou a arbitragem, a preterição de tribunal arbitral voluntário, o que gera a incompetência absoluta do tribunal, como decorre do disposto no art. 96.º al. b), do NCPC (2013). Constitui esta anomalia uma excepção dilatória, como resulta do art. 577.º, al. a), do NCPC (2013) e, nesta conformidade, se a excepção tivesse sido invocada tempestivamente, o tribunal não poderia conhecer do mérito da causa, conduzindo à absolvição da instância (art. 576.º n.º 2, do NCPC (2013)).

II - O tribunal conhece ex officio das excepções dilatórias, mas não a resultante da preterição do tribunal arbitral voluntário. A omissão do chamamento do tribunal arbitral para a resolução do conflito inerente ao contrato (com cláusula compromissória) terá que ser suscitada pelas partes.

III - No caso vertente, a ré deveria invocar a excepção de preterição do tribunal arbitral até à contestação ou no âmbito desta. Tendo-o feito depois, tal invocação é intempestiva.
IV - Tanto uma parte, ao introduzir o presente pleito nos tribunais estatais, como a outra, ao contestar a acção sem invocar a dita excepção e ao deduzir pedido reconvencional, renunciaram tacitamente à convenção arbitral.”

 

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-10-2014

(http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/04d5d6edf926baa080257d650052da9a?OpenDocument)

“1. O princípio da liberdade contratual, previsto no art. 405.º do CC, exprime a auto-soberania de cada uma das partes na criação e modelação das respectivas relações jurídicas.

2. O Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a decisão da matéria de facto proferida quanto à observância (ou não observância), pelas instâncias, das regras de direito probatório material (art. 729.º, nºs 1 e 2 do CPC).

3. Em sede de interpretação dos negócios jurídicos é da exclusiva competência das instâncias o apuramento da vontade psicologicamente determinável das partes, sendo matéria de direito a fixação da sua vontade negocial, isto é, a determinação do sentido a atribuir à declaração negocial em sede normativa, com recurso aos critérios fixados nos arts 236.º, nº 1 e 238.º, nº 1 do CC.

4. A prevalência do sentido com que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, pode deduzir do comportamento do declarante (teoria da impressão do destinatário consagrada, pode assim dizer-se, no nº 1 do citado art. 236.º, nº 1) sofre a limitação estabelecida na parte final do preceito: é preciso, para que ele possa relevar, que o declarante pudesse razoavelmente contar com ele, isto é, que seja possível imputar tal sentido ao declarante.

5. Os prazos estabelecidos nos arts 8.º, al. g) e 98.º do RAU são diferentes: (i) o primeiro é o prazo do contrato, (ii) o segundo, que apenas existe no caso do contrato de duração limitada, é o prazo de duração efectiva do contrato, seja, o prazo da sua eficácia. Podendo não haver coincidência entre ambos.

6. Com a publicação do RAU deu-se uma ruptura do princípio da renovação obrigatória do contrato de arrendamento urbano, pretendendo-se restituir ao mesmo, com a estipulação de um prazo efectivo, a sua fixação temporária essencial.

7. É excessivo exigir que o texto do contrato faça uma referência expressa ao regime de arrendamento de duração limitada, embora seja necessário que o dito prazo se refira expressamente à duração efectiva do arrendamento, sob pena de valer apenas como prazo meramente contratual sujeito a renovação forçada.”

 

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/10/2014

(http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/33b6bd1b9eea161380257d650054fb4b?OpenDocument)

“1. Para que exista um conflito jurisprudencial, susceptível de ser dirimido através do recurso extraordinário previsto no art. 688º do CPC, é indispensável que as soluções jurídicas, acolhidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, assentem numa mesma base normativa, correspondendo a soluções divergentes de uma mesma questão fundamental de direito.

2. O preenchimento deste requisito supõe que as soluções alegadamente em conflito:

- correspondem a interpretações divergentes de um mesmo regime normativo, situando-se ou movendo-se no âmbito do mesmo instituto ou figura jurídica fundamental: implica isto, não apenas que não hajam ocorrido, no espaço temporal situado entre os dois arestos, modificações legislativas relevantes, mas também que as soluções encontradas num e noutro acórdão se situem no âmbito da interpretação e aplicação de um mesmo instituto ou figura jurídica - não integrando contradição ou oposição de acórdãos  o ter-se alcançado soluções práticas diferentes para os litígios através da respectiva subsunção ou enquadramento em regimes normativos materialmente diferenciados;

- têm na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo – tendo em consideração a natureza e teleologia dos específicos interesses das partes em conflito – sejam análogas ou equiparáveis, pressupondo o conflito jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto;

- a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, que integre a verdadeira ratio decidendi dos acórdãos em confronto – não relevando os casos em que se traduza em mero obter dictum ou num simples argumento lateral ou coadjuvante de uma solução já alcançada por outra via jurídica.”