Acórdãos de Direito Civil

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/04/2014

(http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/d64f83bf768139c080257d03004d0bd5?OpenDocument)

“I. Sendo a negociação das partes complexa e composta por um conjunto de documentos que incorporam outros, por remissão, resultando destes a atribuição de competência a um determinado tribunal, as regras da boa-fé na celebração e na execução dos contratos impõe a vinculação das partes ao assim acordado.

II. Tendo as partes derrogado por acordo escrito algumas das normas dos documentos incorporados na concreta negociação e não tendo afastado a norma da qual resulta a atribuição de jurisdição aos Tribunais Ingleses, que aceitaram por via de incorporação do documento onde a mesma se encontra prevista, são aplicáveis todas as demais regras previstas nesses documentos, incluindo essa.

III. Entende-se, assim, que existe, ainda que por via da remissão, incorporação e aceitação do “....” (na parte não derrogada), na concreta negociação das partes, uma aceitação escrita, clara e precisa, de uma cláusula geral atributiva de competência exclusiva aos Tribunais Ingleses, encontrando-se preenchidos os pressupostos do artigo 23.º, n.º1, alínea a), do Regulamento n.º 44/2001.

IV. Tendo sido colocada em causa a validade substancial de uma das cláusulas do contrato, entende-se que o tribunal nacional deve apreciar a sua validade, já que a procedência dessa invocação pode afetar a eficácia da mesma cláusula, tratando-se, consequentemente, de matéria de conhecimento oficioso.

V. Porém, a alegação não deixa de poder ser interpretada, no contexto do litígio, no sentido de existir um pacto privativo de jurisdição assente numa cláusula elaborada de antemão, que as partes se limitaram a aceitar, cujo conteúdo não foi previamente elaborado e que o destinatário não pode influenciar, remetendo-nos, assim, para a apreciação do regime das cláusulas contratuais gerais e para a necessidade de ponderar a proteção do aderente a este tipo de negociação pré-formulada, sejam as cláusulas gerais elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros (artigo 1.º, nºs 1 e 2, e artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 446/85).

VI. Competia ao réu, por ser um facto constitutivo do seu direito, o ónus de alegar e provar a existência de prévia negociação, não se satisfazendo o cumprimento desse ónus com a mera alegação de que a cláusula consta de um documento incorporado no contrato (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

VII. No corpo da alegação, a apelante invoca que a cláusula é absolutamente proibida por se enquadrar no circunstancialismo previsto na alínea h) do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 446/85, alegadamente por a lei inglesa não conceder tutela judicial a situações como a descrita nos autos, por considerar que a flutuação das taxas de juros da Euribor a 3 meses não constitui um risco do contrato, logo não constituiu fundamento da resolução do negócio.

VIII. Assim, a validade de uma cláusula que elege um foro como sendo o competente para dirimir um litígio (o que igualmente se aplica ao estabelecimento da jurisdição competente por maioria de razão, argumento consentido pelo caráter não taxativo da norma), tem de ser analisada à luz dos inconvenientes que a mesma envolve para os potenciais aderentes.

IX. Uma cláusula que resulta de um contrato-padrão que se aplica a uma multiplicidade de aderentes e que estabelece, com exclusividade, como competentes os Tribunais de um país que é o da sede de um dos aderentes, apesar do mesmo ter representação permanente em Portugal, apenas e porque o contrato é sujeito à lei inglesa, sendo a contraparte uma sociedade portuguesa, com sede em Portugal, cria graves inconvenientes para esta parte, atenta a distância a que se encontra do foro elegido, criando inevitáveis dificuldades de litigância perante uma jurisdição estrangeira, sem que se veja, no caso concreto, atenta a representação permanente da outra parte em Portugal, interesse justificativo e prevalecente para tal opção.

X. Entende-se, assim, que a escolha de uma determinada lei estrangeira para reger um contrato não se afigura como um critério prevalecente no estabelecimento da jurisdição competente.

XI. Ademais, a distância da sede da apelante em relação foro estabelecido, num país estrangeiro, em que prevalece um sistema juridicamente diametralmente oposto ao vigente no país da nacionalidade e sede da parte aderente, litigando contra uma entidade bancária de nacionalidade e com sede nesse país estrangeiro, cria graves inconvenientes e é potencialmente dissuasora do recurso aos tribunais pelos aderentes que não sejam nacionais ou não tenha sede ou representação nesse país estrangeiro.

XII. Donde se conclui que a cláusula em apreço é relativamente proibida e, consequentemente, nula (artigos 12.º e 19.º, alínea g), do Decreto-Lei n.º 446/85).

XIII. Não resultando dos factos alegados que o dever de informação tenha sido cumprido, já que o réu nada alegou nesse sentido, tornar-se-ia impossível a prova do contrário. Sendo assim, a questão tem der decidida contra ele (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 516.º do CPC 1961, com correspondência no artigo 414.º do CPC 2013).

XIV. Consequentemente, a cláusula atributiva de jurisdição aos Tribunais Ingleses deve ser excluída do contrato por violação do dever de informação, mantendo-se o demais convencionado (artigos 1.º, 6.º, 8.º, alínea b), 9.º, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10).
XV. O vício em causa determina a inexistência da cláusula que logicamente prevalece sobre a nulidade da mesma.

Donde decorre, em face do disposto nos artigos 1.º, n.º1, primeira parte, 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, do Regulamento n.º 44/2001, a competência internacional dos Tribunais Portugueses para apreciarem e decidirem o presente litígio (cfr. também artigo 7.º do CPC 1996, com correspondência no artigo 13.º do CPC 2013).”

 

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/05/2014

(http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/56b6b9b05d3dd28a80257ce1002f43a9?OpenDocument)

“I - A fiança é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa se obriga para com o credor a cumprir a obrigação de outra pessoa, no caso de esta não o fazer, caracterizada pela sua acessoriedade (dependência) em relação à obrigação garantida (a do devedor principal).

II - O contrato de garantia bancária, não se encontrando previsto na nossa legislação, é aquele pelo qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato – base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato.

III - Entre as situações de garantia autónoma, figura a garantia on first demand, que se pode traduzir por uma promessa de pagamento à primeira interpelação ou primeira solicitação, não podendo ser discutido o cumprimento ou incumprimento do contrato, bastando a interpelação do beneficiário da garantia, autonomia que a distingue, assim, da fiança.

IV - A garantia autónoma é uma figura triangular, supondo três ordens de relações jurídicas: (i) relação entre o garantido (dador da ordem) e o beneficiário (credor principal); (ii) relação entre o garantido (dador da ordem) e o garante (banco); (iii) relação entre o garante (banco) e o beneficiário (credor principal). Correlativamente, nela estão em jogo três negócios jurídicos: (i) o contrato – base, em que são partes o dador da ordem, o mandante da garantia, e o beneficiário; (ii) o contrato qualificável como de mandato, mediante o qual o mandante incumbe o banco de prestar garantia ao beneficiário e (iii), por último, o contrato de garantia, celebrado entre o banco e o beneficiário, em que o banco se obriga a pagar a soma convencionada logo que o beneficiário o informe de que a obrigação garantida se venceu e não foi paga e solicite o pagamento, sem possibilidade de invocar a prévia discussão dos bens do beneficiário ou a impossibilidade da obrigação por este contraída.

V - A qualificação jurídica do negócio pretendido pelas partes (fiança ou uma garantia autónoma) supõe a sua interpretação nos termos do estatuído nos artigos 236º e 238º do Código Civil.

VI - A utilização das expressões “garantia irrevogável” e a obrigação de pagar “após potestativa interpelação do beneficiário, ao seu primeiro pedido e por escrito”, não podem deixar de ser interpretadas e de lhes conferir a natureza de garantia autónoma on first demand, ou seja, à primeira solicitação ou primeira interpelação.

VII - A garantia bancária, cuja eficácia estava suspensa, a aguardar somente o termo do prazo e que os montantes do saldo das contas entre os contraentes fossem definidos, tornou-se, a partir desse momento, definitivamente eficaz e incondicional, ao primeiro pedido.

VIII - Se a obrigação de pagamento à primeira solicitação do Banco recorrente ficou sujeita a uma condição suspensiva – definição do valor a pagar pelo beneficiário aos exequentes – que já foi definitivamente realizada pelo tribunal com competência para julgar tal valor, face ao pacto de jurisdição convencionado por acordo das partes intervenientes no contrato – base, a garantia tornou-se definitivamente eficaz e incondicional, ao primeiro pedido.

IX -Por conseguinte, constitui um título executivo, nos termos da alínea c) do artigo 46º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à Lei n.º 41/2013.

X - Ainda que, por mera hipótese, estivéssemos perante uma garantia bancária autónoma simples, isso não obstaria à sua execução, nos termos do artigo804º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção aludida.”

 

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/05/2014

(http://www.gde.mj.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/09e17598c133a3e780257d0700538460?OpenDocument)

“- As providências cautelares têm por fim evitar a lesão grave e dificilmente reparável proveniente da demora na tutela da  situação jurídica ou seja, para obviar ao “periculum in mora". 

- A instrumentalidade do procedimento cautelar pode acarretar a antecipação dos resultados da acção principal, o que  se explica pela necessidade de evitar o agravamento do dano.”

 

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/05/2014

(http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/69e297a69d626ef580257cef002a9ca4?OpenDocument)

“1. A decisão a proferir em Procedimento Especial de Despejo não depende da decisão a proferir em acção administrativa em que se discute matéria que não tem a ver com a impugnação do acto administrativo que aprovou o projecto de arquitectura, sendo certo que só esta poderia dar azo a tal prejudicialidade.

2. Os efeitos decorrentes da decisão judicial a proferir na referida acção administrativa especial que tem como objecto imediato a pretensão anulatória do referido despacho – objecto mediato da acção – porque o recorrente não é parte como contra-interessado em tal acção, a eficácia da eventual decisão anulatória (elemento subjectivo), não se estenderá a ele, sendo certo que, para determinar a suspensão da presente instância, é necessário que a decisão que resulte da causa prejudicial – aqui a acção administrativa especial referida – possa formar caso julgado na causa principal, ou seja nos presentes autos.

3. Por esta forma, não pode considerar-se a existência de causa prejudicial, relativa a estes autos e, por consequência, não ocorrem os pressupostos para o decretamento da suspensão da instância previstos nos artºs 92º e 272º, nº1 do CPC.”